No mundo musical o famoso termo “canja” se refere ao ato de um músico convidar membros da plateia, geralmente outros músicos, para fazerem uma participação no seu show. Eu sou um grande fã da canja, acho que é um momento de descontração onde os artistas se aventuram no território do improviso, sem contar que é uma prática que ajuda a fortalecer os elos de camaradagem entre os integrantes da classe musical. Sempre que tenho a oportunidade dou minhas canjas nos shows de amigos e também convido-os para darem canjas nos meus shows.
Certa vez quando eu ainda morava nos EUA, minha banda, a saudosa Vício, foi convidada para fazer um show em um bar localizado na cidade de Hudson, no estado de Massachusetts. Hudson é uma cidadezinha que fica perto de Boston e é conhecida, entre outras coisas, pela presença de um grande número de imigrantes portugueses. Isso para nós era ótimo pois nossa banda tocava pop rock brasileiro e consequentemente cantava em português. A maior parte do nosso público era composta por membros da comunidade brasileira da região e esse show em Hudson prometia nos ajudar a conquistar alguns fãs portugueses.
A primeira parte do nosso show foi excelente, éramos um power trio e por já tocarmos juntos há bastante tempo estávamos muito bem ensaiados. Durante o intervalo nosso vocalista, Alex Nunes, estava no balcão do bar tomando uma cerveja quando foi abordado por uma cara que disse que tinha curtido bastante o nosso som. O Alex agradeceu e educadamente deu continuidade ao papo. No decorrer da conversa, o fã misterioso que em momento algum se apresentou, passou a elogiar a guitarra do nosso guitarrista Otávio Fonseca que era uma Whashburn modelo Nuno Bettencourt. O Alex perguntou se ele tocava guitarra e ele disse que não só tocava, como havia sido ele quem fez o design da guitarra que o Otávio estava usando. Ele complementou dizendo que caso o Alex quisesse, era só convidá-lo que ele daria uma canja com a gente. O Alex respondeu que ia confirmar com o resto da banda se havia alguma objeção e encerrou a conversa, afinal, ele ainda tinha que terminar de beber sua cerveja e paquerar com a garçonete antes de voltarmos para a segunda parte do show.
A segunda parte da nossa apresentação também foi muito boa, encerramos nosso set, nos despedimos da plateia e começamos a desmontar nosso equipamento. No final da noite quando o público já havia ido embora e nós aguardávamos o pagamento do nosso cachê para partirmos também, o técnico de som da casa perguntou:
“Porque vocês não chamaram o Nuno pra dar uma canja com vocês?”
“Nuno, que Nuno?” Perguntei.
“O Nuno Bettencourt, guitarrista da Extreme. Ele estava aqui hoje e queria dar uma canja.” O técnico de som respondeu.
É isso aí, senhoras e senhores, o tal fã misterioso que foi conversar com o vocalista da minha banda e se ofereceu para dar uma canja, era ninguém mais, ninguém menos do que o virtuoso guitarrista fundador da banda Extreme. Sim, esse mesmo: o Sr. More Than Words! Puta que pariu!
O que acontece é que o Nuno Bettencourt, que é português, se mudou com sua família aos quatro anos de idade para a cidade de Hudson, onde ele cresceu. O bar onde nós estávamos tocando era um dos lugares que o cara frequentava. Eu sei que o final dessa história é extremamente anticlimático e eu queria muito que fosse diferente. Queria poder dizer que fiz um jam com o guitarrista do Extreme e que ele curtiu tanto meu groove que me convidou pra tocar bateria na banda dele, mas a verdade é que infelizmente meu brother, Alex, não reconheceu o cara e deixou sua oferta de tocar conosco no vácuo. “Eu achava que ele era mais alto” foi a desculpa esfarrapada que o Alex me deu. Todo mundo é mais alto na televisão, porra!
Bem, é isso aí, essa é minha história sobre a maior canja que nunca rolou. Espero que tenhamos aprendido algo com isso!
Related Posts
Esquerda ou Direira, quem são os donos do Rock?
Grandes Discos Do Rock Nacional – Heróis da Resistência
Seria a Living Colour uma banda subestimada?