A onipresença do mainstream e a necessidade do underground

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Música é uma forma de comunicação e todo músico sabe ou deveria saber disso. É através da escolha do tom, dos acordes, da letra, do ritmo, do arranjo, da orquestração, dos timbres, da estrutura, etc., que o compositor e o intérprete transmitem uma ideia, uma mensagem, um sentimento para o seu público. Eu sei que a galera do pós-moderno provavelmente discordaria disso, diriam que a música não precisa dizer nada, não precisa transmitir nada, não precisa significar nada. Para eles é possível que a música exista em um vácuo conceitual. Essa forma de pensar é equivocada, pois uma música que apenas existe, sem preencher função comunicativa alguma, seria como um idioma que não diz nada, não transmite nada e não significa nada. Um idioma que não cumpre sua primordial razão de ser e que não faz jus ao próprio nome que o define. Música é uma mensagem que pode ser codificada de infinitas formas. Pode ser codificada em uma linguagem comum, direta e objetiva, que a maioria das pessoas compreende, ou em um dialeto exótico e obscuro, que só é reconhecido por uma pequena minoria. Essa analogia ilustra a principal diferença entre dois importantes termos usados para classificar a música, o mainstream e o underground.

Na esfera musical é difícil definir com exatidão o que é mainstream e o que é underground, porém é importante ressaltar que esses conceitos não são sinônimos de estilos musicais, pois ambos são compostos por uma variedade de estilos. Por exemplo, dentro do rock and roll, existem artistas que são considerados mainstream e artistas considerados underground.

Dificuldade de classificação à parte, é seguro dizer que a principal característica do mainstream é sua inescapável presença, sua imensa popularidade. A música mainstream, por definição, está em todo lugar e consequentemente nós a consumimos mesmo sem querer. Nós a consumimos quando assistimos nossa série favorita, quando pegamos um Uber, quando entramos em uma loja de departamentos, quando jogamos videogames, e por aí vai. Por causa de sua onipresença, todos nós somos “fluentes em música mainstream”, ou seja, todos nós compreendemos e digerimos a música mainstream facilmente, pois nossos cérebros, devido ao poder da repetição, já estão bem acostumados com a linguagem que está sendo usada e automaticamente criam expectativas temáticas, melódicas, rítmicas e harmônicas, que quando confirmadas nos causam um senso de familiaridade e conforto.

Em contrapartida, o que define o underground é o uso de uma linguagem musical que geralmente é compartilhada e consumida por uma minoria de pessoas apenas. Não só a música underground não é popular, como ela geralmente faz uso de elementos que não são comuns no universo mainstream. Por essa razão, a música underground tende a soar mais irrestrita e experimental.

Apesar de esses dois universos parecerem coexistir, e até certo ponto coexistirem, em espaços distintos, o que é interessante destacar é que há uma simbiose entre eles. Quando olhamos para trás, notamos que muitas expressões musicais que outrora eram consideradas exclusivamente underground, com o passar do tempo se tornaram parte do mainstream. É possível dizer que, pelo menos até certo ponto, a cena underground funciona como combustível inovador para o mainstream. Um excelente exemplo disso é a banda Metallica que no início de sua carreira, na década de 80, tinha um sucesso exclusivamente underground, mas que a partir dos anos 90 também causou um imenso impacto no mainstream. A história da música está repleta de exemplos como esse.

Em minha opinião é daí que vem a grande importância do movimento underground. Sem ele, o mainstream estaria fadado a se autoplagiar com muito mais frequência do que já o faz e certamente perderia muito da sua habilidade de inovação. Trazendo isso para o nível local, Goiânia é uma cidade que apresenta uma cena underground dinâmica e vibrante que deve ser cultivada e evidenciada sempre que possível e essa é uma das razões dessa website existir. Aqui no Gyn Rock City, sempre que possível, falamos do que está rolando no underground de Goiânia, pois sob a superfície monolítica da música mainstream da nossa cidade, existe muita variedade sonora para todos os gostos, basta saber procurar e apreciar.